sexta-feira, 20 de abril de 2018

Uma breve análise da essência canalha do lulismo

Seria simplório e reducionista tentar explicar o lulismo a partir de três peças retóricas recentes, publicadas neste ocaso petista, em plena decadência do seu criador mitológico (e, sabe-se agora, também mitômano).

Mas, juntando o último discurso de Luiz Inácio Lula da Silva antes de ser preso, o posterior artigo de dois de seus pretensos herdeiros políticos, Guilherme Boulos e Manuela D'Ávila, e a entrevista do grão-vizir José Dirceu, na qual se diz orgulhoso por se manter leal ao "capo di tutti capi", temos uma amostra da essência canalha do maior fenômeno eleitoral tipicamente brasileiro.

O lulismo é uma fábula que mistura na estória do seu protagonista ares de Robin Hood com a alma de Macunaíma, ensinamentos de Maquiavel com estratégias de Sun Tzu, tudo amarrado num pacote marqueteiro com toques de Joseph Goebbels. Não que isso anule benefícios pontuais que o PT trouxe à história recente do país e a camadas substanciais da população, primeiro exercendo um papel fundamental na redemocratização, depois como oposição sistemática e fiscalizadora dos primeiros governos eleitos no período pós-ditadura e finalmente nos três mandatos sucessivos à frente da Presidência da República.

Tudo isso é real e verdadeiro. Mas, como diria Karl Marx, "tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas". Hoje, olhando para trás, o que mais dói é ter acreditado em Lula. Depositado confiança, sonhos e expectativas. Ter votado nele em 1989, em 1994, em 1998, em 2002... Para tudo terminar assim? A esperança que venceu o medo acabar traída pela repetição dos erros do passado? O que era para ter sido a mudança culminar como mais do mesmo?

O discurso de Lula, dos petistas e seus satélites, ou a "narrativa" que tentam construir os adeptos da tática da terra arrasada, deve ser objeto de estudo aprofundado. Não é pouca coisa essa habilidade para o malabarismo que todos eles demonstram ter ao distorcer os fatos.

Vale destacar um trecho autoexplicativo da entrevista de José Dirceu:
Como vê a perspectiva de Lula ficar preso sozinho? Ele suporta o isolamento? 
Como o tratamento é respeitoso e ele recebe advogados todos os dias, e a família uma vez por semana, vai se adaptando.
O pior para ele já aconteceu: a indignidade de ser condenado e preso injustamente. Depois disso, tem que se adaptar às condições e transformar elas em uma arma para você. Esse é o pensamento. Mas eu acho que raramente um ser humano suporta ficar um ano num banheiro e quarto vendo três vezes por dia alguém trazer comida para ele. 
Agora surgiu a ideia de o Lula ir para um quartel. Seria pior ainda. Porque eles não que em ninguém lá. A função do quartel não é ser presídio. Ele vai ficar mais isolado. 
E ele não consegue? 
Eu acho que ele não deve. É uma questão política. Ele deve conviver com outras pessoas, pensar o país, pensar no que está acontecendo. Ele não está proibido de fazer política só porque está preso.
Se o Lula vier para a sexta galeria [unidade do complexo penal em que Dirceu ficou detido], verá que é uma convivência normal. É muito raro ter um incidente. E na prisão você conversa, aprende muita coisa. As pessoas têm muito o que ensinar.
Às vezes você acredita no mito que criam sobre você. Que você é especial, que teve uma vida, no meu caso, que dá até um filme. Mas você começa a conversar com um preso comum, e descobre que é fantástica a vida de cada um lá. 
O que o senhor sentiu quando viu Lula sendo preso? 
Eu sou muito frio para essas questões, sabe? Acho que ele fez o que tinha que fazer, aquela resistência simbólica foi necessária. E nós ganhamos essa batalha política e midiática.
Repare, tudo para o PT se resume em "ganhar a batalha política e midiática". E, é claro, para tanto os fins justificam os meios. Vale qualquer coisa para a sobrevivência do partido e de seus líderes. Já assistimos isso em outros capítulos da História, com outros personagens populistas, caudilhos e totalitários. A mentira, a vitimização, o delírio persecutório, a narrativa do golpe, a mercantilização da política e dos políticos, a demonização do adversário, a tentativa de desmoralização da justiça, da mídia e das instâncias democráticas e republicanas. Nada pode ser obstáculo para o triunfo do lulismo.

A atual linha narrativa, num plano-sequência do "golpe" contra Dilma, é que "os tempos em que vivemos representam o maior ataque à democracia desde o fim da ditadura militar". Isso está dito ipsis litteris no já mencionado artigo de Boulos e Manuela, mas é repetido incansavelmente por Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e todo séquito de replicantes lulistas.

Segue o discurso destrambelhado:
"O golpe parlamentar que colocou Temer no poder, a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes e a ofensiva contra Lula, do atentado a sua caravana à absurda e ilegal decisão de prendê-lo, exigem unidade da esquerda pela defesa da democracia e contra a escalada de violência fascista no país."
"A face mais visível da luta democrática no país é a defesa irrestrita da liberdade do ex-presidente e, para além disso, do seu direito de ser candidato nas eleições presidenciais deste ano. Lula é a maior liderança social do Brasil. Tirá-lo do jogo político é um visível casuísmo eleitoral. Essa luta não é apenas daqueles que concordam com as posições de Lula e do PT." 
"O alcance da ofensiva é muito mais amplo. Enganam-se aqueles que pensam que eles sejam os únicos alvos dessa prisão. Isso faz parte de um ataque contra o campo progressista e os direitos sociais. Não começou com Lula e não terminará com ele."
É um mix de frases feitas, generalidades e palavras de ordem que faziam sentido para a velha esquerda (enxovalhada pelo próprio PT), mas que hoje não passam de um apanhado de recados internos para impedir a debandada geral. Propaganda enganosa. Ou, nas palavras de José Dirceu: "O meu candidato é o Lula. Nós temos que lutar pela liberdade dele, mantê-lo como candidato e registrá-lo em agosto. Se não fizermos isso, será um haraquiri politico. Nós dividiremos o PT em quatro ou cinco facções. Nós temos que manter o partido unido."

Daí o motivo essencial para o condenado Lula jurar inocência. Atrás das grades por ter sido condenado em 2ª instância em uma das ações, dentre outras que virão, ele quer seguir como o mito intocável, apesar de saber que convence cada vez menos gente. Inelegível, necessita se manter presidenciável. É o desespero instintivo de quem está à beira da morte política. Na verdade, do suicídio, por ter se transformado em mais um corrupto e feito do seu partido uma organização criminosa. Certamente não é o único, nem o primeiro, nem o último. Talvez seja o maior deles, até pela grandeza da biografia, que era sólida mas se desmancha no ar, como nunca antes na história deste país.

Enfim, com a licença poética de José Dirceu, outro figurão que fez a travessia sem escalas da geração dos presos políticos para os políticos presos, Lula e todos os flagrados com a boca na botija pela Operação Lava Jato se assemelham nesta última frase pinçada da sua entrevista : "E todo mundo é inocente, né? O cara matou a avó, fritou o gato dela, comeu. Mas ele começa a conversar com você e a reclamar que é inocente."

Todos são.

Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente