segunda-feira, 2 de junho de 2014

Como tirar lições do episódio do fim do rodízio, aprovado pela Câmara e vetado por Haddad?

Deu no Jornal Nacional, virou o assunto da semana. O episódio da aprovação, por votação simbólica, do fim do rodízio de veículos em São Paulo é estarrecedor. Expõe de maneira clara e didática o funcionamento da Câmara Municipal, o seu distanciamento dos interesses da maioria dos paulistanos e a necessidade de traduzir e esclarecer os acontecimentos para o cidadão comum.

Vamos relembrar o que aconteceu: em menos de um minuto, sem nenhuma discussão, foi aprovado em segunda e definitiva votação o fim do rodízio. Apenas em tese, porque da Câmara ele seguiria para sanção ou veto do prefeito Fernando Haddad - e de fato foi vetado neste sábado, como previsto.

Ou seja, apesar de toda a polêmica, o rodízio não vai terminar nem ser suspenso. Mas poderíamos tirar algumas lições deste episódio, para que fatos constrangedores como estes não se repitam. Será possível? No ano passado já criticávamos esta e outras propostas bizarras. Ninguém se preocupou.

O projeto, de autoria do vereador Adilson Amadeu (PTB), tramitava na Câmara desde 2006. Estava na pauta (na última e em diversas sessões anteriores) por fazer parte da "cota" do autor, acordada com seus pares. Outra coisa que precisa ser muito bem explicada.

Funciona assim: os vereadores criaram, há alguns anos, uma regra informal para votar a mesma quantidade de projetos de cada um deles, independente do mérito dos projetos. Estabelecem cotas semestrais ou anuais. Por exemplo, se decidiram aprovar quatro projetos por vereador em 2014, cada vereador preencherá a sua cota, indicando livremente os projetos que lhe parecerem mais convenientes ou oportunos.

Por que isso? Para evitar que a produtividade de cada um seja medida pela quantidade de projetos aprovados. Se existe algo que incomoda os vereadores é que algum deles seja considerado "melhor" que um colega pelo número de projetos apresentados. Esse critério era comum em rankings elaborados pela imprensa e por ONGs que acompanham a Câmara.

Assim, deste acordo tácito também fazem parte o "colégio de líderes" e o "congresso de comissões" (criado e instituído regimentalmente para acelerar ou driblar a tramitação obrigatória dos projetos dentro das comissões internas da Casa).

Nas reuniões de terça-feira entre o presidente da Câmara, os líderes de bancadas e o líder do governo, é definida a pauta das sessões: quais projetos do Executivo serão votados (e aprovados, pois o governo tem maioria) naquela semana e, em contrapartida, são negociados os projetos de vereadores que vão ser apreciados e eventualmente sancionados pelo prefeito.

O vereador Adilson Amadeu colocou como prioridade o seu projeto sobre o fim do rodízio. Todos sabiam disso, tanto que constava da pauta e já tinha sido aprovado (também simbolicamente e sem discussão) em primeira votação. Se não fosse votado em segunda, dentro da sua "cota", Amadeu poderia passar a obstruir a aprovação de projetos dos colegas. Ninguém queria isso.

Como se faz a obstrução de projetos? O regimento da Câmara prevê várias normas legais. Duas horas de discussão por projeto, votações nominais, verificações de presença, adiamentos, suspensões de sessão etc.

Desse modo, nenhum projeto polêmico ou sem maioria de votos é aprovado, nem que seja por descuido, na Câmara Municipal de São Paulo. Portanto, ninguém foi pego de surpresa. O projeto do fim do rodízio estava na pauta, já havia passado em primeira votação anteriormente e poderia ser votado em definitivo a qualquer momento, como exigia o seu autor dentro do acordo entre os líderes de partidos.

Pode-se afirmar, assim, que o líder da bancada do PT, vereador Alfredinho, não expressa a verdade ao alegar que a votação foi um "cochilo" da base do prefeito Fernando Haddad.

Também não parece verossímil que o presidente José Américo, outro vereador do PT, passe só agora, depois deste episódio, a pedir de ofício a votação nominal de projetos polêmicos, que a maioria não quer ver aprovado. Já lhe caberia ter feito isso, assim como a qualquer vereador.

Houve outra votação recente de projeto que seria aprovado simbolicamente, se não fosse a votação nominal pedida e justificada pelo vereador Ricardo Young (PPS). A liberação da venda de bebidas alcoólicas dentro do estádio nos jogos da Copa, uma exigência da Fifa, tinha o voto contrário da oposição e dos vereadores evangélicos. Isso colocava em risco a obtenção da maioria necessária para a aprovação.

Então, PT e PSDB fizeram um acordo: aqueles vereadores contrários ao projeto se manifestariam na tribuna, mas ninguém pediria voto nominal, para evitar o constrangimento de ver rejeitado um projeto que interessava aos governos municipal, estadual e federal. Assim também estaria explicitado o posicionamento, principalmente dos evangélicos, junto ao eleitorado de cada um (mas mantida a "fidelidade" desses vereadores à determinação da base governista).

Ora, mas isso é um engodo! Se a maioria é contra um projeto e tem instrumentos regimentais para derrotá-lo, por que então fazer a concessão de aprová-lo simbolicamente? Será que a Câmara é movida por interesses inconfessáveis, que nem sempre correspondem à vontade da maioria da população e àquilo que é melhor para a cidade?

O repórter do jornal O Estado de S. Paulo, Diego Zanchetta, que acompanha diariamente a Câmara Municipal, tentou explicar em seu blog e também em matéria o que aconteceu. Mas a maioria da imprensa se contenta com a versão oficial dos fatos.

Leia abaixo um texto bastante detalhado de Claudio Vieira, representante do bem-sucedido projeto "Adote Um Vereador":

Observações de um cidadão que acompanha os trabalhos dos vereadores da Câmara Municipal de São Paulo, que, relembro, é uma casa política.

Na matéria do Jornal Nacional de ontem sobre a lambança da votação do projeto do vereador Adilson Amadeu/PTB sobre o fim do rodízio, ficou claro que:

1) O vereador Floriano Pesaro/PSDB teve a oportunidade de impedir a aprovação, pedindo votação nominal. Não o fez; já vereador o Arselino Tatto/PT também não fez e os outros que estavam lá, preferiram registrar voto NÃO, ao invés de pedir votação nominal;

2) O vereador José Américo/PT (presidente da casa), apressado, disse que iria registrar, mas que já tinha passado e que o projeto já fora votado;

3) O vereador Alfredinho/PT, que também registrou voto contrário, disse que não havia percebido o projeto na pauta. Só um detalhe, ele esteve lá em todas as últimas sessões;

4) Depois que COCHILARAM, de fato, vem alguns vereadores e dizem "eu votei contra", eu não permitiria a aprovação deste projeto, mas quando, ainda em sessão, tiveram a oportunidade de pedir uma votação nominal, não pediram. Sabe por quê? Porque já estava acordado que o projeto passaria. A pauta é construída com acordos, feitos no colégio de líderes;

5) De maneira geral não se entende nada que se vota no plenário. Cada dia cagam uma nova regra, de acordo com os interesses, ora da situação, ora da oposição;

6) As brincadeiras e gozações feitas pelo presidente da maior Câmara Municipal da América Latina já passou dos limites, há muito tempo;

7) Ainda na matéria do Jornal Nacional o presidente disse: "Se ele não vetar, eu veto". O que pode um presidente vetar? Nada... este projeto vai ficar junto com as outras centenas de vetos na pauta da Sessão Ordinária, esperando outro cochilo dos nobres pares para ser derrubado.

Antes desta polêmica, em todas as votações nominais, vale o quórum daquela sessão e os registros dos votos contrários, não são computados nas votações do site (contrários). Eles só ficam valendo para registro no Diário Oficial.

Cláudio Vieira (Rede Adote Um Vereador)

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